Ela havia despertado naquele mesmo instante, estava ainda de olhos fechados. Acordara cheia, pesada, insustentavelmente carregada de tudo. Durante a noite teve o sono entrecortado, acordava sobressaltada de tempos em tempos. Os lençóis, o frio, a dor. A loucura do sonho-pesadelo indefinido apoderara-se dela. Apesar de saber-se ali, não conseguia sentir-se. Delírio. Estava cheia de tudo, especialmente cheia daquele vazio pesado.
Sentia-se cansada depois do sono terrível da noite. Via a luz sem abrir os olhos. O dia era quente, o sol estava alto. Dobrou uma das pernas arrastando a ponta do pé no colchão. Não estava interessada em acordar. A cabeça tonta, não estava ali. Calor, desconforto, estava cheia.
Por que não se pode ter aquilo que se toca?
Nunca
Nada
Por quê?
Possuir verdadeiramente. Afastar a solidão, criar qualquer ponte, contato, unidade, não?
Ela queria muito. Sabia que queria, tinha plena consciência. As coisas, as pessoas, o mundo. Desejava sofregamente. Demais. Precisava ter. Tudo. Os objetos que legitimavam uma existência pobre. As sensações que representavam o refúgio e torpor à aflição constante. A empatia morna do próximo, que transforma tudo em calor e conforto.
Exatamente como todos. Igual a qualquer um.
Ela queria
Talvez tivesse sido ensinada, talvez a necessidade fosse mesmo natural. Pouco importava. Queria satisfazer seus desejos. Buscava. Corria.
Queria tocar e tocava.
Mas o toque não lhe garantia a posse.
Tudo lhe fugia. Era como se os sonhos fossem contaminados, como se a ponta de seus dedos os fizessem degenerar.
Ansiava com toda força, paixão e medo que tinha dentro de si. Todo o seu ser concentrava-se em alcançar, qualquer coisa.
Depois da luta, era como se o céu azul e límpido desabasse em tempestade.
Seu toque fazia tudo apodrecer.
Vírus
Desmoronamento
O trabalho, os filhos, o ex-marido, sua vida. Nada. Estava ainda de olhos fechados. As coisas apodreciam a sua volta. Nada lhe pertencia. Tudo lhe era estranho. Ela não podia sentir nada além de si própria e, ainda assim, mal reconhecia sua própria vida
A essência das coisas não se alcança
Ruído
Interferência
Nada. Não se possui nada. Nunca. As coisas não se traduzem. Tudo é fora e longe e lá e ex. Sempre.
Não tinha nada do que queria, apesar de querer demais.
Ela não tinha a posse.
não
não
não
Rolava na cama. Olhos fechados, lençóis desgrenhados. Claridade. Calor, desconforto, estava cheia. Cheia do grande nada.
Lembrou-se dele, das duas crianças lindas que lhe dera, da vida perfeita.
Lembrou-se das noites de choro. Lembrou-se da sensação de falar e não ser ouvida, de ouvir sem conseguir entender. Lembrou-se das malas junto à porta. Teve novamente em sua mente a visão dele virando as costas e saindo. Chorou.
Ela não tinha nada. Nada cabe em nossas posses.
Pensou nas crianças que dormiam no quarto ao lado do seu. Lindos. Estavam crescendo. Não eram dela. Ela também não os possuía de forma alguma.
Não se possui nada. Nada cabe em nossas posses.
As coisas são, independentemente de nós. O universo não nos deve nada. Nada nos pertence. As coisas são. Nunca tocaremos o âmago. Não há elo.
Ela abriu os olhos. Levantou-se da cama. Enfrentou a claridade e foi a te a janela. Abriu-a rapidamente. Contemplou a cidade cinza. Suspirou profundamente aquele suspiro de sua alma. Estava pronta para começar o dia.
Sentia-se cansada depois do sono terrível da noite. Via a luz sem abrir os olhos. O dia era quente, o sol estava alto. Dobrou uma das pernas arrastando a ponta do pé no colchão. Não estava interessada em acordar. A cabeça tonta, não estava ali. Calor, desconforto, estava cheia.
Por que não se pode ter aquilo que se toca?
Nunca
Nada
Por quê?
Possuir verdadeiramente. Afastar a solidão, criar qualquer ponte, contato, unidade, não?
Ela queria muito. Sabia que queria, tinha plena consciência. As coisas, as pessoas, o mundo. Desejava sofregamente. Demais. Precisava ter. Tudo. Os objetos que legitimavam uma existência pobre. As sensações que representavam o refúgio e torpor à aflição constante. A empatia morna do próximo, que transforma tudo em calor e conforto.
Exatamente como todos. Igual a qualquer um.
Ela queria
Talvez tivesse sido ensinada, talvez a necessidade fosse mesmo natural. Pouco importava. Queria satisfazer seus desejos. Buscava. Corria.
Queria tocar e tocava.
Mas o toque não lhe garantia a posse.
Tudo lhe fugia. Era como se os sonhos fossem contaminados, como se a ponta de seus dedos os fizessem degenerar.
Ansiava com toda força, paixão e medo que tinha dentro de si. Todo o seu ser concentrava-se em alcançar, qualquer coisa.
Depois da luta, era como se o céu azul e límpido desabasse em tempestade.
Seu toque fazia tudo apodrecer.
Vírus
Desmoronamento
O trabalho, os filhos, o ex-marido, sua vida. Nada. Estava ainda de olhos fechados. As coisas apodreciam a sua volta. Nada lhe pertencia. Tudo lhe era estranho. Ela não podia sentir nada além de si própria e, ainda assim, mal reconhecia sua própria vida
A essência das coisas não se alcança
Ruído
Interferência
Nada. Não se possui nada. Nunca. As coisas não se traduzem. Tudo é fora e longe e lá e ex. Sempre.
Não tinha nada do que queria, apesar de querer demais.
Ela não tinha a posse.
não
não
não
Rolava na cama. Olhos fechados, lençóis desgrenhados. Claridade. Calor, desconforto, estava cheia. Cheia do grande nada.
Lembrou-se dele, das duas crianças lindas que lhe dera, da vida perfeita.
Lembrou-se das noites de choro. Lembrou-se da sensação de falar e não ser ouvida, de ouvir sem conseguir entender. Lembrou-se das malas junto à porta. Teve novamente em sua mente a visão dele virando as costas e saindo. Chorou.
Ela não tinha nada. Nada cabe em nossas posses.
Pensou nas crianças que dormiam no quarto ao lado do seu. Lindos. Estavam crescendo. Não eram dela. Ela também não os possuía de forma alguma.
Não se possui nada. Nada cabe em nossas posses.
As coisas são, independentemente de nós. O universo não nos deve nada. Nada nos pertence. As coisas são. Nunca tocaremos o âmago. Não há elo.
Ela abriu os olhos. Levantou-se da cama. Enfrentou a claridade e foi a te a janela. Abriu-a rapidamente. Contemplou a cidade cinza. Suspirou profundamente aquele suspiro de sua alma. Estava pronta para começar o dia.