28 de out. de 2007

O que é isso?

As paredes da sala eram de madeira. O teto da sala começava a meia altura, triangular. O sofá da sala era grande e macio. A sala era marrom ou ocre acastanhado ou só um bege terroso pardacento. A sala era aconchegante, ampla. A sala era ótima.
Eu estava lá
Estávamos
Eu e minha garrafa. Vinho tinto, barato e ruim. Ruim, mas ótimo. Nada melhor existia para horas como aquelas. Aquelas horas, aliás, já deviam ser mais de 3 da manhã. Eu bebia.
O jeito era beber.
Só bebendo é que se entende realmente as coisas. Eu queria entender e ninguém compreende mais as coisas que um bêbado.
Todas aquelas histórias, todas aquelas receitas, todos aqueles conselhos de sensatez empedrada, tudo era lixo. Lixo! Tudo aquilo tinha de ser jogado longe!
A vida. Ah... a vida!
Que merda de vida é essa?
Que porra é essa de alma tranqüila e de paz e de certeza e de contentamento e de tudo bem?
Tudo bem aonde?
Com quem, tudo bem?
As coisas são tão melhores quando está calor e o sol brilha. Tão melhores quando se pode andar por ai e a claridade inunda tudo ao redor e só o que se vê é amparo e acolhida. Tão melhores.
Mas aqui? Xiiiiiiiii
Aqui só há frio e cinza, mofo, umidade e pesar de coisas amaldiçoadas. Aqui não há claridade. Aqui nada se move. Aqui tudo é acinzentadamente pesado.
E o que importa isso, mesmo?
Nada.
O que importa isso de ser e de estar longe?
Isso de ficar ali consigo mesmo, de estar sempre presente a todas as desventuras, de não poder ir embora, de obrigar-se a tudo e a todos com a mesma parcimônia e solicitude, de estar sempre com a mesma cara, o mesmo corpo, isso de ser a si mesmo e de a si só se pertencer. Isso de ser o tempo inteiro é uma merda!
Não há descanso, pausa, on/off. Não há trégua.
Eu to cansado
Só umas fériazinhas, será que não dá?
Será?
Porque a gente nunca entende nada? O que será que é possível afinal? O que pode e o que não pode, enfim? Limites, quais?
Olha lá!
Cadê, onde, quando, como?
Isso de não ser possível ver um palmo a frente dos olhos, como é?
Querer ver e não poder
Que droga é essa de não se saber nada? Como é possível isso? Além de tudo, isso... isso... de ser ignorante e prepotente e sujo e magnanimamente absurdo? Como é?
Acho que preciso de mais um pouco
Porra!
Aquele buraco de novo. Sempre o buraco. Sempre no mesmo lugar. Sempre essa sensação de nada e de coisa alguma. Essa maldita sensação de que ainda não é o bastante tudo o que houve e de que tudo só está no começo e de que não importa o que se faça tudo será sempre assim.
Tudo será sempre assim?
Do que eu estou falando?
Que dor? Que angustia? Que porra?
Isso lá é coisa que se diga? Logo eu!
O que é que tenho eu pra falar dessas coisas? O que sou eu do alto dessa grande insignificância pra achar que já sofri um grão sequer do que há pra ser sofrido nesse mundo?
Hahaha
Nada! Tu não sabes de nada, ó, meu caro!
Tornas a beber e cala!
Calar
Será o melhor a fazer?
O melhor
O que é melhor?
Querer o melhor, ser o melhor, ter o melhor?
O que?
Isso de ser
De não estar satisfeito nunca. De saber-se possível e não conseguir realizar. De ver-se do modo como ninguém mais é capaz ou simplesmente não tem ânimo para. De querer alcançar e ter braços curtos de mais. De querer ver e ter olhos pontudos de mais. De querer, talvez, simplesmente.
Essa coisa de doer aqui dentro, será que um dia passa?
A sala era ótima. As paredes da sala eram de madeira. A sala era aconchegante, ampla.
O teto da sala começava a meia altura, triangular. A sala era marrom ou ocre acastanhado ou só um bege terroso pardacento. O sofá da sala era grande e macio.
Eu ainda estava lá

20 comentários:

Arne Balbinotti disse...

Interessante a história, chegou um momento que vi a personagem, ou você, como queira, tendo um breve diálogo com sua própria consciência... interessante por que vivo tendo esses diálogos com a minha... interessante por que a sala não é ampla, nem o sofá tão aconchegante e eu nem sempre continuo lá...
Abraços.

Marcos Gervazoni disse...

Uma auto reflexão, às vezes faz muito bem. Revigora. Muda um pouco as cosias.

Vinícius Rodovalho disse...

"Ruim, mas ótimo." Percebi que curte paradoxos. E eu também. Aliás, minha mente é um completo paradoxo. Rs.

Três horas da madrugada... tem horário melhor? Tudo quieto... O silêncio... As estrelas... Os pensamentos... Os delírios.

E se tiver bebida no meio... Rs.

Isaac Newton devia estar bêbado quando formulou suas três leis.

:)

Anônimo disse...

Muito boa a história, inclusive esse é um dos favoritos, que sempre encontro por aqui!!!
Beijo.

Marina disse...

Quantas perguntas num único texto hein? Percebi que não sou a única.
Gosto de textos assim, descritivos, me faz imaginar cada cena, cada objeto...
E esse cara não me pareceu bêbado, apesar do vinho ruim mas bom...acho que ele é muito lúcido.
Um beijo

Jana disse...

"ninguém compreende mais as coisas que um bêbado."

mais do que perfeito isso, parece que abre alguma coisa...

ou é tudo bobagem mesmo rs

Beijos

Mai Amorim disse...

"Aqui só há frio e cinza, mofo, umidade e pesar de coisas amaldiçoadas. Aqui não há claridade. Aqui nada se move. Aqui tudo é acinzentadamente pesado.
E o que importa isso, mesmo?
Nada."
Olha eu aqui d nvo ^^

Rpz... mto bom o texto... o diálogo personagem/personagem foi envolvente..

Acho que cada um que lei se identificou com alguma coisa.
Mto bom!

Anônimo disse...

Esse seu texto me remeteu a duas coisas:
a) a sala do Champs de Champs! hehe
b) aquela vez que vc foi pra sua casa aqui em SP (aquela alugada) e bebeu vinho lá...(quando lembro do banheiro dessa sua casa e as lembranças do inquilino, caio na risada automaticamente hahaha)

Quanto à frase "Ruim, mas ótimo", não é um paradóxo. Não é que o vinho seja ruim e ótimo ao mesmo tempo. É que exatamente por ser ruim, tá ótimo pq era exatamente de um vinho ruim que ele precisava no momento.
Esses seus leitores, ai ai! haha
Bjo.

Anônimo disse...

"Essa coisa de doer aqui dentro, será que um dia passa?"

Passa.
:)

Mai Amorim disse...

Ahhh linkado tb..

^^

amor, descobertas, amor, ódio, amor,decepções, ódio de novo, dor, amor..


é..
"Essa coisa de doer aqui dentro, será que um dia passa?"
;**

Anônimo disse...

Excelente texto amigo!!

www.ooohay.wordpress.com

Johnny M. disse...

Parabéns pelo texto. Vc escreve muito bem. E também gostaria de saber se essa coisa de "doer aqui dentro" um dia passa?

Anônimo disse...

Essa coisa de doer aqui dentro um dia passa sim. Passa.

r.farias disse...

Perguntas frequentes ... q temos ...
Excelente textos !!

César Schuler disse...

pooooh...
belo texto!
bons textos, boa música, layout limpo...

Muito bom blog! parabéns!

Janaina Lellis disse...

adorei o seu texto,as descriçoes..enfim,bem escrito.

é isso ae. :}

bêêijo :*

Anônimo disse...
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Anônimo disse...

sem inspiração?

:)

p.s.: seus leitores alem de nao entenderem o q vc escreve, me plagiaram! hunf!

Anônimo disse...

Pausa, on/off seria ótimo.

O que eu não curti muito foi a música parar quando cliquei pra comentar...hehe...

Rackel disse...

será que um dia a gente responde as dúvidas?!??