[Duas batidas com o cigarro na borda do cinzeiro. Cinzas caindo.] Outra tragada. Ela gostava do cigarro entre seus dedos. Queria os olhares voltados para si quando fazia isso. Gostava de olhares, daqueles principalmente. O telefone não tocava. Não iria tocar. Mas ela continuava ali.
O sofá preto, a pequena mesa, os livros. Enquanto corria a mão suavemente sobre seus próprios cabelos ela devaneava. Queria sair, ver o mundo, ir para qualquer lugar novo e excitante. Para longe. Fugir do vazio que escondia dentro. O telefone não tocava. Ele parecia ser tão diferente. Era seguro. O único capaz ainda de lançá-la ao abismo e, em um piscar de olhos, salvá-la apenas estendendo-lhe a mão.
Ela definitivamente era uma femme comme il fault, porém, frágil. Concentrava a segurança daqueles que sabem encenar bem a si mesmos com o profundo desamparo de quem se vê desprotegida. O papel exigia destreza e habilidade. Ela parecia saber fazer leve o peso de sua personagem. [Duas batidas na borda do cinzeiro. Fumaça espiralada subindo.] O telefone não tocava.
Ela sabia o que queria. Sabia o que fazer para conseguir e, normalmente, conseguia. Mas não hoje, não com ele. Não tinha problemas em atingir objetivos, tinha apenas em defini-los. Estava sozinha e isso a incomodava muito. A falta de espectadores lhe obrigava a ver a si mesma. Ela queria alguém. Precisava de alguém, só para não ouvir seus próprios ecos. Era frágil. E, por isso, prepotente. Estava sempre certa, mesmo quando errada.
Ela tinha planejado tudo. Queria vê-lo, senti-lo. Porque o maldito telefone não tocava? Lembrou-se da última conversa. Lembrou-se de como se divertiam juntos. Ela sentiu vontade de chorar. Nada fazia sentido. O vazio de dentro aumentava. Acendeu outro cigarro. [Fumaça espiralada.] Tentou esquecer. Tentou lembrar-se de outra coisa.
Não era nada além de sua própria imaginação. Ela era frágil. Queria alguém que lhe protegesse. Mas acabava afastando qualquer um que chegasse muito perto. Não queria sofrer, por isso, sofria. Estava sozinha. Não sabia viver assim. No one ever said it would be this hard.
Gostava de parecer forte. Gostava de ser vista assim, esforçava-se para isso. Esse era seu disfarce. Parecer. Queria ser vista, mas nunca se mostrava. Não conseguia. Só o que tinha fora estava preparado, o interior não. Nem ela sabia o que escondia dentro. Sabia apenas que não era para ser exposto. Tinha medo, muito medo. Era frágil. Defendia a si mesma se escondendo. O telefone não iria tocar.
Não conseguiu conter as lágrimas.
Porque as coisas eram como eram? Porque tudo aquilo? Por quê?
Não sabia as respostas. Ninguém saberia. Chorava. Não por causa do telefone que não tocava, nem por causa do que não ligava. Chorava por si mesma. Por tudo o que não era. Por tudo o que queria. Chorava apenas. Ela que nunca mostrava qualquer fraqueza, mas era frágil, chorava.
[Fumaça. Cinzas. Tragada funda.] A maquiagem borrada. Pequenas lágrimas sobre a roupa cara. Seu cabelo agora deveria estar horrível. Ela era só uma menina. Tinha medo. Tinha sonhos. Chorava apenas. Não queria lembrar-se de que ainda estava ali. Sozinha. Não queria lembrar-se de nada. Queria esquecê-lo apenas. Arrancá-lo de si. Queria colocar tudo o que estava lá dentro para fora. Fugir. Adormecer. Queria que tudo parasse, voltar no tempo e fazer tudo diferente.
O seu choro continuou ainda por muito tempo. Ela estava sozinha. Ela sempre estaria sozinha. O seu personagem não servia mais. O medo nervoso que tinha da dor a aproximava ainda mais dela. Sentiu o desespero de quem começa a ver a si próprio sem mistificação. Deu a última tragada. Afundou o cigarro no cinzeiro. Não havia mais a fumaça espiralada. O telefone tocou.