5 de set. de 2007

Melífluo Vermelho

Sua pele era tão branca, tão macia, tão doce. Tê-la em minhas mãos era a suprema recompensa. Ela era minha, toda minha. Estava pálida, quente ainda. Seus longos cabelos negros a deixavam com um ar assustador, tão assustador quanto tudo o que é verdadeiramente belo. A pele branca e luzidia. Ela era de uma alvura ofuscante. A visão do contraste entre a doçura gelada de sua pele e o vermelho-vivo das primeiras gotas foi qualquer coisa de sublime. Seus olhos azuis ainda estavam fixos nos meus. Eram olhos tão profundos. Eu os temia tanto, os queria tanto. Estavam ainda a me desafiar.
Ela era linda. Ela era minha.
Penetrei-a devagar. Cada suspiro seu me fazia querê-la mais. Ela lutava contra mim aquela luta inútil. Não poderia nunca sair dali. Não havia como escapar. Era minha. Fechou os olhos, sua respiração taquicárdica mal me deixava ouvir o que se passava dentro de minha própria cabeça. Enfiei mais forte. Ela gritou um grito seco. O grito do meu prazer.
Sua carne era realmente macia. Seu sangue me hipnotizava. Tão belo, melífluo vermelho, muito vermelho, o mais diabólico vermelho jamais visto. Tinha a textura grossa de cada gota viva ainda pulsante. Eu estava louco. As gotas escorriam sobre seu colo. A brancura angelical invadida pelo rubro quente infernal. Aquele vermelho grosso, suculento. O vermelho da morte.
A faca deslizava por sua pele. A lamina fora cuidadosamente afiada. Devotadamente preparada para partir a carne da deusa de gelo. Tão macia, tão branca, tão minha. Encostei meus lábios sobre os seus. Ela moveu-se lentamente, tanto quanto podia mover-se naquela posição. Eu a beijei. Beijei sua boca como a nenhuma outra havia feito. Ela era minha. Seus lábios, vermelhos também. Sua saliva, a língua, os dentes [brancos]. Ela era linda.
A lâmina de aço brilhante, fria, rígida, guiada por minhas mãos, era implacável. A única capaz de galgar a superior intangibilidade daquele ser angélico. Os primeiros golpes foram os mais difíceis. Os olhos azuis, a suplicante altivez de seu rosto santo. Confesso que por um instante renitente a idéia de libertá-la me ocorreu. Mas eu não podia, aquilo tinha de ser feito. O sacrifício da deusa era necessário. A sua beleza tanta não pertencia a esse mundo. Não. O vazio asqueroso, o império maldito, esse imundo era uma ofensa à minha adorada. Eu lhe devia a liberdade.
Cortei-a mais uma vez. O vermelho inundou seu seio. Era uma figura angelical, sobre-humana. Tinha a brancura dos olhos de Dews. Era tão viva ainda. Toquei-lhe levemente com a língua. Sua pele, a sublime, a inefável, a majestosa. Seu sangue, o doce, esplêndido, inebriante. A vitória, eu a tinha, finalmente. Era minha, toda minha.
Aquele corpo exprimia em si o indizível. Era a perfeição feita carne, era a beleza feita gente. Estava em minhas mãos. Eu a admirava. Ela era tudo o que eu desejava. Antes de mais um golpe tomei-a novamente. O colo liso, branco, banhado, minha mão a percorrê-lo. Eu a acariciava admirado. Aproveitava a trégua do tempo, os longos instantes da suma maravilha.
Aquele momento já estava em mim desde muito antes. Eu sabia, sabia que ela me daria a mais profunda das alegrias. O mais intenso dos sabores. O sangue, a branca carne dilacerada, a inconcebível perfeição da dor. Era linda. Era tudo o que eu jamais pensei existir. Eu a amava, por sua beleza, por sua doçura, pela lânguida perfeição de suas formas esfaceladas.
A faca perfurou-a novamente, já não podia controlar, estava muito além do meu próprio arbítrio. Era como se a força suprema do desejo da carne se abatesse sobre mim, e eu sobre ela. A frágil, a sublime, a encantadora, majestosa deusa gelada. Não suspirava mais, não se movia mais, não arfava mais o corpo a cada minha investida. Não mais. Estava quieta, de uma quietude flácida e pacifica. Assim era ainda mais majestosa. Linda. A suprema recompensa.
Baixei a lamina, coloquei-a de lado, longe. Havia muito sangue, estava espalhado por todos os lados, banhava a mim e a ela abundantemente. Minhas mãos tremiam, meus olhos estavam cansados do espetáculo, meu corpo não podia mais agüentar. Beijei a face de minha deusa adorada. Deitei-me a seu lado, colei meu corpo no seu pela última vez. Senti sua presença em mim como se fossemos apenas um. Toda existência deve ter um momento de glória. Esta era minha glória, a suprema recompensa. Era linda. Era minha. Estava morta.

4 comentários:

Unknown disse...

ar-ra-sou! \o/

Jana Cambuí disse...

Obscuro, e ao mesmo tempo de uma luminosidade assustadora. Penetrar a mente de um psicopata e transcrevê-la. Parabéns.

KK disse...

como único homem a comentar nesse blog (aparentemente) devo dizer que é isso aí!

os seus textos são mais profundos do que os meus...

abraços!

Misa disse...

Uma historia dramatica,e muito singela,apesar da dor da mulher e da alegria do hoemm
gostei muito